O Noivado Sobrenatural
Pedro caminhava lentamente pela noite. Os acontecimentos daquele dia não haviam sido nada agradáveis: além de perder o emprego, depois de uma discussão violenta com o patrão, havia também terminado o namoro com Letícia. Não era, pois, sem motivo que estava totalmente arrasado, mergulhado em profunda melancolia, deprimido mesmo. Em seu estado mórbido, não conseguia afastar do pensamento as palavras ásperas trocadas com seu Gastão, seguidas de "pode fazer suas contas", que alternavam o encontro com Letícia, cabeça baixa, fugindo do seu olhar, dizendo "não vai dar certo".
Neste estado, Pedro caminhou sem destino durante muito tempo. Passava pelas pessoas sem ver, tropeçava ás vezes em buracos ou simplesmente dava topadas nas calçadas das garagens, em nível ligeiramente mais alto que o pavimento, soltando, nestes momentos, exclamações pornofônicas.
Sentaram-se no sofá, mãos entrelaçadas. Pedro, embora melhor, continuava desassossegado. Apesar do carinho da moça, do tratamento que estava recebendo, a impressão que sentia era a mesma que se sente nos pesadelos.
O temporal agora estava mais violento, e lufadas de vento traziam grossas gotas de chuva contra as vidraças.
Provocado pela moça, Pedro contou suas desventuras. A moça acalentava-o. Afinal, Letícia não era a única moça da face da terra, assim como o emprego que perdera. E "Deus escreve direito por linhas tortas". Naturalmente encontraria nova namorada e empregos melhores.
-E você, perguntou Pedro, já teve alguma decepção amorosa
-Eu?Ora, eu não soube o que foi amar...
-Heim? Não soube?
-Quero dizer... não sei ainda o que é amar.
O tempo verbal empregado pela moça, que a esta altura Pedro já sabia chamar-se Maria de Souza Oliveira, fez o mal-estar do rapaz aumentar. Sentia agora a moça como se fosse um ímã, destes empregados em brinquedos de criança, que ora atraem, ora repelem. Ao mesmo tempo em que sentia-se atraído por Maria, pensava que devia afastar-se, embora não tivesse, aparentemente, nenhum motivo para isto. Afinal, Maria era tão meiga...
E esta meiguice fez com que ele aceitasse seu convite para dormir. Cerca de 23:30 horas. Ao ir para o quarto de Maria, a chuva aumentou sua força. Parecia verdadeiramente tempestade.
Trovões sobre trovões faziam a casa estremecer. Deitaram-se
juntos e a proximidade dos corpos fez com que se entrelaçassem. Com toda a inquietação que sentia Pedro desejou-a...
-Afinal, posso dizer que já amei... disse Maria.
-Mas você... você... era virgem?
-Disse bem: era, pois agora não sou mais...
Maria parecia a mulher mais feliz do mundo. Pedro estava atônito. Os acontecimentos de sexta-feira culminaram de maneira inesperada... Lembrou-se das alianças que tinha no bolso. Tirou-as.
-Olhe... quero que aceite como nosso noivado. Casaremos assim que consiga emprego.
Maria sorriu, colocando a aliança no anelar direito, e tirou pequeno anel com pedra, dando-o ao rapaz.
-Guarde como lembrança minha. É para não se esquecer de mim.
O rapaz colocou o anel no dedo mínimo.
Maria beijou-o: Você me fez muito feliz. Espero que eu também o tenha feito. Não gostaria, nem mesmo sem querer, de lhe fazer o menor mal.
Pedro respondeu ao beijo, estranhando, porém, as palavras de Maria. Mas foi trocando juras de amor que adormeceram abraçados. Pedro guardou a última frase de Maria.
-Jamais me esquecerei de você...
Lá fora, o vento frio soprava violentamente, fazendo o aguaceiro varrer telhados e paredes das casas. No ar, relâmpagos e trovões...
Pedro remexeu-se. estranhou. O colchão da cama, tão macio e quente, parecia duro e gelado. Com as mãos, procurou Maria e só encontrou o vácuo. Sonolentamente, abriu os olhos. E viu o descampado cheio de cruzes.
Estava no Cemitério de Santa Izabel, Horrorizado, cheio de pavor, viu onde se encontrava: em cima de uma sepultura. Olhou para a cruz. Lá estava um retrato esbranquiçado, mas perfeitamente reconhecível, de Maria de Souza Oliveira, morena clara, cabelos negros, olhos castanhos...
"nascida a 3 de Fevereiro de 1902, falecida a 13 de Fevereiro de 1918".
Sem conseguir pensar, viu que na parte de baixo da cruz estava a aliança que lhe dera como sendo de noivado. Em seu dedo mínimo, o anel com que a moça o presenteara...
E às 6 horas da manhã daquele sábado, os que estiverem nas cercanias do Cemitério teriam ouvido aquele grito enregelante de pavor.
Era de Pedro. Que saiu correndo do Cemitério...
Postado por Pietrina
lenda urbana tirada do livro visagens e assombrações de Belém de Walcyr Monteiro
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